XI Curso de Verão em Bioquímica e Biologia Molecular

Introdução

Envelhecimento e alterações no DNA

O envelhecimento é um processo natural de perda de função gradual dos sistemas biológicos que afeta a maioria dos organismos vivos com exceção de um pequeno grupo de organismos que, aparentemente, não envelhecem como nós definimos esse processo (Finch, 2009). O processo de envelhecimento resulta, ao final, na morte do indivíduo. Os registros históricos das tentativas do ser humano de entender, e consequentemente interferir no processo de envelhecimento rementem aos primórdios da filosofia e da medicina (Finch, 2010). No entanto, somente na segunda metade do século 20, após descobertas fundamentais sobre moléculas essenciais à vida que hipóteses científicas começaram a ser propostas para explicar a sequência de eventos moleculares que levam ao fenótipo conhecido como envelhecimento. Em função de seu papel essencial na manutenção da informação genética, o possível papel de alterações no DNA como evento fundamental ao envelhecimento logo ganhou protagonismo. O primeiro a propor que danos ao DNA desempenham um papel causal no envelhecimento foi o físico Gioacchino Failla, em 1958 (Failla, 1958), seguido pelo também físico Leo Szilard um ano depois (Szilard, 1959). A teoria evoluiu ao longo das décadas, mas sua mensagem principal é a mesma: o acúmulo de danos e mutações no DNA ao longo da vida do organismo altera o padrão e os produtos da expressão gênica, levando a um desequilíbrio em todo o sistema, que passa a operar de forma subótima. Isso, por sua vez, leva ao acúmulo de mais erros, resultando em um ciclo vicioso cujo resultado final seria o envelhecimento. Apesar de sua elegância, essa teoria sofre do mesmo problema que a maioria das teorias que tentam explicar as causas do envelhecimento: a difícil separação entre causa e efeito em um processo biológico multifatorial e relativamente pouco compreendido.

Assim como o DNA genômico, o DNA mitocondrial (DNAmt) também está constantemente exposto a uma grande variedade de agentes indutores de lesões, particularmente espécies reativas de oxigênio (EROs) geradas pela cadeia respiratória mitocondrial. Apesar de o DNAmt humano codificar um pequeno componente de genes, (37, dos quais 13 codificam proteínas da cadeia transportadora de elétrons e da ATPsintase, e os outros 24 codificam rRNAs e tRNAs necessários para a síntese proteica) a manutenção da integridade do DNAmt é fundamental para a integridade funcional da célula.

 

 Figura 1 - Mapa do DNA mitocondrial humano. Origens de replicação das fitas pesada e leve (OH e OL); subunidades 1-6 do Complexo I (NDI-ND6); subunidades 1-3 do Complexo IV (COX1-COX3); subunidades 6 e 8 do Complexo V (ATP6 e ATP8); e citocromo b do Complexo III (Cyt b) (Alexeyev et al., 2013).             

 

 Metabolismo aeróbico, estresse oxidativo e DNA mitocondrial

            O metabolismo aeróbico é o principal processo gerador de energia nas células. Através da cadeia de transporte de elétrons, elétrons que são retirados do alimento durante a glicólise e o ciclo de krebs são transportados por complexos protéicos presentes na membrana mitocondrial interna. Conforme passam por alguns desses complexos, prótons são bombeados da matriz mitocondrial (a parte interior da mitocondria) para o espaço intermembranas (a parte de fora), formando um gradiente eletroquímico. Esse gradiente fornece a força necessária para mover um outro complexo, a ATP sintase, que catalisa a formação de ATP a partir de ADP e Pi.

 

 

 Figura 2 - Representação da cadeia de transporte de elétrons (Sazanov, 2015).

 

 A teoria dos radicais livres foi a primeira teoria a propor um mecanismo bioquímico causador do envelhecimento. A teoria, formulada originalmente por Denham Harman em 1956, propõe que EROs, formadas como subprodutos do funcionamento normal da Cadeia de Transporte de Elétrons através da redução monoeletrônica de oxigênio molecular por elétrons que ?vazam? da cadeia, são responsáveis por danificar macromoléculas, que levariam ao envelhecimento do organismo. Na década de 70, o DNAmt foi proposto como sendo um dos principais alvos das EROs, devido a sua proximidade com a Cadeia de Transporte de Elétrons. O dano ao DNAmt reduziria a eficiência das proteínas componentes da Cadeia de Transporte de Elétrons codificadas pelo DNAmt, levando a um maior vazamento de elétrons, e a criação de mais EROs, que causariam mais alterações no DNAmt, dando origem a um ciclo vicioso. Durante décadas essa teoria serviu como guia de uma parte substancial das pesquisas sobre envelhecimento. Hoje, sua influência ainda é muito grande, mas diversas evidências indicam que EROs possuem um papel importante na sinalização celular, e não são apenas subprodutos indezejados.

 

mTOR e envelhecimento

            mTor (mechanistic target of rapamycin) é uma proteína foi inicialmente identificada por ser o alvo molecular de rapamicina, um composto farmacológico utilizado no tratamento de diversos tipos de câncer. Essa proteína é uma serina/treonina cinase, presente em todas as espécies de eucariotos examinadas até hoje (Wullschleger et al., 2006), indicando um alto grau de conservação durante a evolução. Existem dois complexos formados por mTOR nas células, mTORC1 e mTORC2 (mTOR complex 1 e 2, respectivamente), que diferem nas proteínas associadas a mTOR. Os dois complexos possuem papéis distintos na célula. Dados experimentais indicam que mTORC1 é o principal mediador da sinalização de disponibilidade de nutrientes e possui papel central na regulação do crescimento celular. mTORC2, por sua vez, parece estar envolvido na organização espacial do citoesqueleto. A rapamicina age como inibidor da atividade do mTOR, principalmente de mTORC1, mesmo em concentrações nanomolares (Loewith et al., 2002). No entanto, em tratamentos de longo prazo, ela também pode inibir mTORC2 (Sarbassov et al., 2006).

Devido ao seu papel central, alguns autores propuseram que mTOR tem um papel importante no processo de envelhecimento, e sua regulação poderia ser um dos mecanismos pelos quais agem os efeitos de extensão da longevidade observados em condições de restrição de calorias. Deste modo, a inibição de mTOR teria efeitos prolongadores na longevidade (Blagosklonny, 2006). De fato, mTOR é o único composto farmacológico que foi comprovadamente capaz de aumentar a expectativa de vida em mamíferos, com diversos laboratórios demonstrando tal aumento de longevidade devido à inibição de mTOR por rapamicina em camundongos (Harrison et al., 2009; Anisimov et al., 2010; Miller et al., 2011; Wilkinson et al., 2012).

 

Nossos experimentos

Uma vez que a inibição da atividade de mTOR demonstrou um aumento na longevidade de mamíferos, e que alterações no DNA (nuclear ou mitocondrial) têm sido propostas como causas do envelhecimento, exploraremos a interface entre essas duas ideias, tentando analisar se células com knockdown para o gene mTOR exercerão efeitos protetores contra danos oxidativos no DNA.

 

Bibliografia

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Wullschleger, S., R. Loewith, e M.N. Hall. 2006. TOR Signaling in Growth and Metabolism. Cell. 124:471-484.

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